O Nu na Arte

Por Carolina Agnelli*

Até que ponto o corpo nu na arte a serve esteticamente ou passa a ser pornográfico? Essa é uma pergunta frequente aqueles que meditam sobre as questões morais na expressão artística e deve ser devidamente respondida para uma melhor experiência com as obras de arte. Podemos começar separando o nu figurativo do nu literal.

nu figurativo é aquele presente nas artes não-imediatas, ou seja, as artes que não expressam o corpo humano em sua realidade mais imediata: pintura, escultura e literatura. Há nessas artes uma representação do objeto de forma secundária, antes de ser figurado na obra ele passa pela percepção e imaginação do artista. Para a representação do corpo nessas artes, a imagem dele deve passar por diversos estágios dentro da própria alma do artista antes de se externalizar, o que não raro muda diversos aspectos desse objeto, conferindo-lhe uma nova aparência.

nu literal é um nu em que o corpo irá ser conhecido de forma mais realista, e se dá especialmente nas artes em que o corpo humano é utilizado mais diretamente, imediatamente: teatro, cinema e dança. A fotografia não é uma arte, mas poderíamos enquadrar seu modo de expressão do nu como dentro do nu literal. A imagem (a fotografia e o cinema) tem muito menos poder representativo simbólico, e irá representar a forma desse corpo de modo mais realista.

Agora, à respeito das representações artísticas do nu, podemos nomeá-las de representação erótica e representação pornográfica. O erótico, proveniente de Eros, se refere a uma representação que incita um conhecimento mais profundo do objeto representado, um interesse genuíno, e não apenas uma atração sexual. Já o pornográfico está atrelado ao interesse sexual fantasioso do objeto retratado: a fantasia é aquilo que não existe na realidade, porém é construído na mente por meio da imaginação.

nu figurativo tem muito mais poder simbólico e pode alcançar muito mais valores estéticos do que o nu literal. Num quadro, numa escultura ou numa história o nu pode ser representado de forma a enriquecer uma narrativa ou uma expressão artística, sem dar ênfase ao apelo sexual ou imoralidade. Já na imagem, o nu tende sempre ao desejo fantasioso daquele que é retratado pela proximidade com uma pessoa real. Portanto, o nu literal tem mais chances de tornar-se uma representação pornográfica do que o nu figurativo, porém é possível que haja nus figurativos pornográficos.

Como diferenciar então se estamos diante de uma representação de um nu erótica ou pornográfica? Para explanar melhor a questão, vamos aos exemplos. Temos abaixo uma imagem da pintura O Nascimento de Vênus, de Botticelli. Vênus, no centro do quadro, está nua. Esse nu acrescenta profundidade à narrativa do quadro: Vênus é a deusa do amor, da beleza estonteante que causa enamoramento. Por esse motivo, é comum que a deusa seja sempre retratada nua, não é diferente neste quadro. Há também outro elemento simbólico na nudez de Vênus. Se observarmos bem, percebemos que o seu corpo não é normal, os ombros são exageradamente caídos, o pescoço longo demais e torto, o braço muito longo, as pernas inclinadas demais para a posição que ela se encontra… Além disso, se compararmos o rosto de Vênus com o das outras mulheres no quadro, ela parece uma boneca, uma personalidade irreal. Não é por acaso que isso se dá, Botticceli quis mesmo conceder um ar de irrealidade à Vênus, de beleza ideal inalcançável. Tudo isso tira a personagem da esfera do real, do imediato, e traz antes o espectador para um estado contemplativo de meditação acerca do quadro.

O Nascimento de Vênus, Botticelli

Por isso, nesse quadro de nu figurativo temos uma representação erótica e não pornográfica. Em momento algum o espectador é convidado a fantasiar com a Vênus, ou desejá-la de modo sexual. O mesmo acontece no quadro Hilas e as Ninfas de Waterhouse mostrado aqui anteriormente. A nudez das ninfas complementam uma história que não incita a fantasia com um ato imoral, é uma representação erótica.

Agora, analisemos o quadro abaixo, Odalisca Morena de Boucher. Neste nu figurativo, a moça retratada está numa posição extremamente relacionada ao ato sexual, com suas nádegas desnudas, como que esperando alguém “completar” a cena. Aqui, a própria narrativa do quadro incita uma fantasia a respeito da cena, portanto temos uma representação pornográfica dentro de um nu figurativo.

Odalisca Morena, Boucher

O quadro abaixo intitulado Nu Deitado de Modigliani é também uma representação pornográfica levando em consideração os mesmos motivos já explanados para a obra de Boucher.

No quadro abaixo, Odalisca de Jean Auguste Dominique Ingres, temos o mesmo tema do quadro de Boucher, porém aqui o nu figurativo é retratado de forma erótica e não pornográfica. É possível notar como, de certa forma, o corpo da Odalisca neste quadro se assemelha ao corpo da Vênus de Botticelli.

Odalisca, Jean Auguste Dominique Ingres

Abaixo temos um nu literal, dado que é uma fotografia, ela foi tirada por Martin Munkacsi. Apesar do nu ser literal, a representação desse nu não é pornográfica, mas, sim, erótica. Não convida o espectador a uma fantasia com o objeto retratado (nesse caso, os meninos nus correndo em direção ao mar), mas, ao contrário, leva-o a meditar acerca da narrativa, além de causar um prazer estético moral, “afantasioso”.

Henri Cartier-Bresson

 

*Carolina Agnelli é especialista em Filosofia da Arte, Estética e História da Arte.
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Percepção, alma humana e percepção estética

 

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