Percepção, alma humana e percepção estética
Por Carolina Agnelli Pansera
Nós, seres humanos, compartilhamos com os animais as percepções. A percepção é o ato de perceber algo pelos sentidos externos, maturá-los com os sentidos internos e reagir — desejar ou evitar. Aristóteles explica como que essas percepções se dividem em três:
A primeira é a percepção sensorial. Essa percepção está ligada aos nossos sentidos exteriores, básicos, e são eles a audição, o olfato, o tato, o paladar e a visão. É por esses sentidos que todas as informações do mundo exterior irão adentrar nossa alma.
Depois, temos a percepção cognitiva, essa mais relacionada com os sentidos interiores. Seriam esses o senso comum, a imaginação, a potência estimativa e a memória sensorial. O senso comum coordena a percepção sensorial, por exemplo, vemos um passarinho e um canto de passarinho — é o senso comum que nos dirá que é o passarinho que está cantando. Ou seja, o senso comum ordena os sentidos para melhor compreensão do mundo exterior. A imaginação irá armazenar as imagens extraídas da realidade com ajuda do senso comum, forma essas imagens e trabalha sobre elas, com a possibilidade de criar algo novo pela junção de diversas imagens. A potência estimativa reconhece as potencialidades da realidade, como por exemplo um gato que reconhece que conseguirá pular determinada distância e cair exatamente no ponto onde queria chegar. Já a memória sensorial armazena imagens da realidade ou imagens criadas pela própria imaginação, não forma as imagens como a imaginação, apenas as armazena.
Por último, a percepção apetitiva. Essa é a percepção que irá trabalhar em cima da percepção sensitiva e cognitiva para chegar a conclusões de que algo é bom ou mau. Nos animais, o bom ou mau existem somente em relação ao mundo físico, já para os seres humanos ele também existe em relação ao mundo moral. Se algo for bom, tendemos a desejá-lo, se algo for mau, tendemos a nos esquivar dele. Essa resposta emocional se traduz nas paixões, que podem ser irascíveis ou concupiscíveis.
Para os animais, aí está toda a sua alma. Já para os homens, a alma ainda tem dois atributos importantíssimos: o intelecto e a vontade.
O intelecto só pode atuar sobre as percepções, pois é trabalho dele conhecer a essência das coisas, trabalhar com conceitos, raciocinar, apreender a verdade, julgar. Sem os sentidos, não há fomento para o intelecto.
A vontade trabalha de maneira a iluminar o intelecto para que ele possa trabalhar em determinada direção. É pela vontade que o intelecto pode operar de diferentes maneiras.
De maneira geral, os atributos da alma humana trabalham todos juntos, não tendo muita distinção cronologicamente. Ou seja, não há um que vem primeiro e depois outro e por último mais um. Todos trabalham simultaneamente e foram divididos aqui apenas para fim de melhor entendimento da estrutura da alma.
O que é, então, a percepção estética? Obviamente, como já foi explicado, a percepção estética não é um atributo da alma, porém ela é uma potencialidade da percepção como um todo e depende do intelecto e da vontade. A estética está ligada ao estudo da arte, do belo e do feio, portanto a percepção estética nada mais é do que perceber algo, inteligir sobre ele, tomar juízos, e desejá-lo ou simplesmente esquivar-se dele com a ajuda da vontade.
Não há, no tempo, muita ordem em relação a atuação das percepções, da vontade e do intelecto. Há, porém, certas circunstâncias para que a percepção estética possa ocorrer. É crucial que primeiramente aquele que deseja aguçar a percepção estética vivencie situações em que possa colocar em funcionamento a percepção sensorial, cognitiva e apetitiva com mais consciência. É certo que os homens trabalham sempre com essas percepções e, por incrível que pareça, todos trabalham sempre também com o intelecto e a vontade. Porém, é preciso que haja um momento em que esse indivíduo possa estar plenamente consciente de que naquele instante irá utilizar de sua percepção com ajuda do intelecto e da vontade. Apesar da alma humana estar sempre utilizando dos seus atributos, a bagunça pode ser tanta que nem sempre se percebe o que é percepção e o que é intelecto, ou o que é vontade e o que é percepção e assim por diante.
Para conhecer a arte e inteligir sobre ela, é crucial que se esteja ali primeiramente com os sentidos exteriores, isso é, ouvindo ou vendo. Parece óbvio, mas muitas pessoas acreditam que irão conhecer arte se forem diretamente aos livros e cursos, utilizando antes o intelecto do que os sentidos exteriores. Então, depois, diante de uma obra de arte, confundem a própria percepção com aquilo que é a percepção de uma outra pessoa: foi entendido um juízo sobre a obra, e diante dela, esse espectador pode acreditar que o juízo veio pela sua própria percepção, mas não, veio antes pelo intelecto atuando sobre o juízo de um terceiro. A própria percepção estética fica esquecida.
Por isso, então, que esse livro foca que o leitor trabalhe a sua percepção pessoal sobre as obras. Assim, desenvolverá de maneira fértil uma percepção que poderá ser aplicada sempre não só à obras de arte, mas ao cotidiano, à vida de maneira geral. O que isso significa? A pessoa de percepção apurada está mais presente na realidade e não pode ser enganada com facilidade, a busca da verdade se torna mais fácil. Por outro lado, a imaginação e a memória terão alimento para o intelecto, que conseguirá raciocinar com mais facilidade em cima da essência das coisas. Sem contar a vontade, que, diante de tantas maravilhas, ganha força para que o intelecto possa agir.