Geração TikTok
Por João L. Roschildt*
A geração “tiktoker” é pior que a geração pornô. E nem se compara com a geração ávida pela “água negra do capitalismo”, aquela vinculada ao famoso refrigerante. Nessa última, parece que havia uma causa nobre, mesmo que os meios, invariavelmente, fossem rigorosamente os mesmos das gerações anteriores e revolucionárias de esquerda com o seu famoso ranço aos Estados Unidos da América.
Basta selecionar um pequeno trecho da música “Geração Coca-Cola”, de 1985, da banda Legião Urbana, para entender o que foi dito: “Quando nascemos fomos programados; a receber o que vocês nos empurram; com os enlatados dos U.S.A., de nove às seis; Desde pequenos nós comemos lixo; Comercial e industrial; Mas agora chegou nossa vez; Vamos cuspir de volta o lixo em cima de vocês”. Sinônimo de uma aversão a um sistema “imperialista” de expansão de produtos para países periféricos, a música deixa claro que os indivíduos que padecem com tal realidade, não tardarão a reverter o quadro devolvendo o que de ruim haviam recebido. No fundo, era o sonho de um cenário distópico em que a ganância desenfreada produziria o próprio mal que a derrubaria.
No refrão dessa música ainda é possível ver a ideia de seu compositor, Renato Russo: “Somos os filhos da revolução; somos burgueses sem religião; somos o futuro da nação; Geração Coca-Cola”. Ora, a despeito de qualquer interpretação que possa referendar a ideia de que isso equivale a uma autocrítica àquela geração, no sentido de indicar a ausência de sentido profundo na vida de tantos jovens e sua omissão diante dos problemas sociais, o fato é que seriam eles que deveriam realizar mudanças significativas no cenário social e político daquela época. Mesmo sem religião, eram capitalistas herdeiros das ideias revolucionárias de construção de um “Homem Novo” e que sonhavam com um futuro melhor, apesar de inundados de Coca-Cola, a “água negra do imperialismo”, conforme asseveravam muitos comunistas espalhados pelo mundo.
E o que quer a geração TikTok? Ou Reels? Ou de qualquer outro aplicativo instantâneo que possibilite a reprodução de danças contemporâneas bizarras ao som de péssimas músicas? Muito mais do que nada já é muito. Mesmo que nem todo o usuário dessas drogas cibernéticas, digo, aplicativos, tenha como objetivo realizar dancinhas, passinhos, movimentos corporais semelhantes a “hora de morfar” dos Power Rangers (os mais antigos podem correlacionar com o Esquadrão Relâmpago Changeman), sempre de forma erótica, é público e notório que esse é um dos usos principais. Bem, e qual o objetivo de quem faz isso?
Antes, pense na geração pornô. Ela vive em um mundo dimensional próximo da geração TikTok, mas está afastada pela distância de uma mão: enquanto o primeiro grupo preza pelo que é explícito, o outro deixa tudo implícito, nutrindo-se daquilo que é escrachado. Em outras palavras, a geração TikTok é descendente da pornografia, mas com alguma “tarja preta cognitiva” ou “classificação mental etária”.
Se não é de todo verdade a generalização feita, é bem verdade que o uso desses aplicativos de vídeos para redes sociais se tornou uma febre entre moças que querem produzir “conteúdos” que foquem seus atributos físicos. Lábios carnudos, cabelos bem compridos, seios fartos, cintura fina, bumbum avantajado e coxas grossas compõem o imaginário “tiktoker”. Se houver alguma discordância, basta acessar essas redes e verificar quais são os vídeos mais procurados e visualizados para ter alguma ideia.
Mas o curioso disso tudo é que a geração pornô tem (ou tinha… ou continua tendo nesse instante…) objetivo claro: o estímulo sexual privado, sozinho ou com acompanhantes, para o prazer carnal. E é disso que vive a indústria pornográfica. Ela suga, de forma figurada e literal, o gozo daqueles que desfrutam de seu universo. Por mais que isso possa ser criticado, existe um aspecto de clareza que merece elogios: tudo na pornografia é explícito. Mesmo aquilo que subjaz ao suposto glamour de atores e atrizes pornográficos, como consumo de drogas, compulsão sexual, problemas psicológicos graves em face da exposição física e moral, perversões de toda ordem e prostituição, isso já não é mais novidade para o Homem contemporâneo. Imersos no hedonismo, a pornografia não é necessária para acessar as portas desse Inferno corpóreo. Lembrando: o prazer não é condenável, mas sim a escravidão dos instintos.
Assim, o mundo pornográfico possui certa “virtude”. Mesmo que o emprego dessa palavra, muito cara ao sério pensamento filosófico, possa ser considerada uma heresia, deve-se destacar que o universo pornô expõe claramente sua essência. Isso é uma defesa dessa forma de vida pós-moderna? Longe disso! É simplesmente uma constatação de fato quanto ao que essa indústria faz e como uma geração de aficionados se comporta diante de televisores e telas de eletrônicos: tudo é feito para o estímulo sexual. Rigorosamente tudo. Nada fica subentendido. Só não vê quem não quer (com duplo sentido).
No entanto, no multiverso TikTok tudo ganha contornos implícitos. E aqui me refiro aquele universo possível das donzelas que empinam os glúteos e os baixam incessantemente (heavy stage); das que começam dançando de frente e terminam o vídeo elevando uma das coxas (como que em um movimento de quem vai sentar em uma Honda Cg 125 Fan) lateralmente, mantendo a bunda em elevação para trás (medium stage); e que é o mesmo mundo das moçoilas que fazem cenas sensuais com coreografias que passam as mãos na altura do peito, no bumbum, lambem os dedos e saracoteiam a cintura feito uma cobra com pequenos rebolados (light stage). É desse multiverso do TikTok e Reels que faço menção.
Dessa geração de meninas desmioladas que julgam que a vida é um colorido filtro de aplicativo pronto para ser rebocado em seu rosto e corpo, não se pode esperar nada. A geração TikTok é niilista por natureza, sem ter ideia do que é o niilismo. São tão alienadas que conseguem nadificar o niilismo: o próprio niilista seria o nada perto da nulidade que elas representam. Essas moças (sim, geralmente são moças), mesmo que não saibam sequer o que é uma geração e sejam totalmente desunidas, são fotocópias borradas de cada uma delas, compondo um cenário de grupo sem coesão, mas com o mesmo propósito: o nada, o vazio, o da perda de significado profundo e o da perda de tudo o que nunca possuíram.
Para não exagerar ao declarar que inexiste um propósito, é possível dizer que existe um muito claro: aumentar o número de seguidores. Dada a exposição corpórea, atrairão em sua esmagadora maioria, homens sedentos por um fantasioso carinho virtual, desprovidos de qualquer compromisso familiar. Como consequência, elas imaginam que tal número de “fãs” fará com que sejam feitos bons contratos publicitários, ganhem mimos de indústrias de roupas justas ou sessões de bronzeamento artificial ou de drenagem linfática no par de protuberâncias traseiras abaixo da cintura. O que não deixa de ser verdade para alguns casos. Todavia, isso é um propósito de vida?
Recentemente acompanhei uma destas figuras como um “investigador virtual”. Não citarei nomes. Ainda é uma menina com 19 anos e não merece ser exposta. Classificando-se como “dancer” e “life style”, não se esqueceu do qualificativo “tiktoker”. Quando comecei a ver seu perfil nas redes, recém tinha atingido a incrível marca de 1 milhão de seguidores no Instagram. Em menos de três semanas, já estava com 1 milhão e 300 mil seguidores nessa rede social. No TikTok conta com mais de 3 milhões e 800 mil fãs. É o típico perfil daquilo que se denomina de uma influenciadora. O mundo contemporâneo é um freak show…
Bem, nas suas fotos reina a exposição corpórea, mesmo que a moça ainda seja vigiada pelos pais. Isso faz com que ela viva um “trilema carpado”: mostra bastante, mas não mostra muito, querendo mostrar tudo. Sim, seus pais são muito presentes no seu perfil e participam de seus vídeos. Aliás, os vídeos são o grande “espetáculo”. Catalogados naquele estágio que denominei de light, a menina mostra vários atributos para avançar na escala (talvez até pule o medium stage e vá direto para o heavy stage). Por enquanto, com os pais “controlando”, existem certas limitações, mas o mais surpreendente é que os progenitores são figuras ativas nas danças tenebrosas da filhota. A título de constatação, o ritmo dos movimentos corporais da herdeira segue o tom da sensualidade agregada a cultura hip-hop.
Em um dos materiais “cinematográficos”, ela diz que “pode não estar satisfatório, mas vou postar mesmo assim”. De shortinho, ela rebola freneticamente após movimentar como uma experiente odalisca os quadris. Em outro, ela diz que “depois de um tempão treinando o vídeo saiu”. O resultado? Movimentos esquizoides com variações espasmódicas. Algo insano. Nos vídeos em que é acompanhada de músicas de hip-hop (ou qualquer coisa que o valha), o “show” de simulações sexuais é evidente, prevalecendo aquele movimento que com as mãos paradas na altura da genitália (como segurando uma cabeça) é seguido de movimentos de quadril para frente e para trás. Claro que esses não são os vídeos que o papai e a mamãe dançam…
Ácido demais com uma menina? Jogar ácido quando só existem ossos não é tão dolorido assim. Nossa sociedade está em frangalhos, portanto, se ela faz aquilo, posso afirmar isso. Assim como essa rapariga, existem muitas outras. O crítico mais idiota poderia dizer “como posso declarar que as danças são bizarras? Quem sou eu para julgar?”. É simples, basta ver uma pessoa dançando sem o som da música para compreender se é algo que eleva a alma ou se a rebaixa. Via de regra, é tiro e queda. Caso assista a uma valsa, a um tango ou a uma exibição de balé é possível retirar qualquer som musical que a beleza permanece. Nem é preciso dizer quais ritmos representam verdadeiras tragédias coreografadas caso não exista um único som sendo produzido como acompanhamento.
No fundo, a geração TikTok ou Reels, light, medium ou heavy, são subprodutos da pornografia, afinal, não destoam do vestuário, dos gestos, do comportamento, das insinuações e da malemolência das atrizes para filmes adultos, a não ser pela execução final de alguns atos. Um exagero afirmar isso? A propósito, qual o propósito da geração TikTok? Existe algum significado razoável no que desenvolvem? Perguntas exageradas? Ou do nada, nada vem?
*João L. Roschildt é Professor do curso de Direito do Centro Universitário da Região da Campanha (Urcamp). Além de articulista e ensaísta, é autor de “A grama era verde”.
Site: www.joaoroschildt.com.br.
Obs.: Artigo publicado primeiramente no portal do Instituto Burke no dia 22 de fevereiro de 2021.